O Infarmed é uma autoridade reguladora que tem por missão regular e supervisionar os setores dos medicamentos de uso humano e produtos de saúde, segundo os mais elevados padrões de proteção da saúde pública, e garantir o acesso dos profissionais da saúde e dos cidadãos a medicamentos e produtos de saúde de qualidade, eficazes e seguros.
Conversámos com a CIO do INFARMED, Carina Adriano, para percebermos como está esta organização a fazer a sua transição digital. Quais os principais projetos que a executiva tem em mãos? Que ferramentas e parceiros o INFARMED usa, e quais as áreas em que a inovação justificou mais investimento?
Tendo em conta a natureza reguladora e as áreas de atuação, destaca-se, em matéria de transformação digital, um projeto que responde a necessidades prementes do Infarmed numa das suas áreas core, a avaliação técnico científica. Este sistema envolve um conjunto alargado de utilizadores internos e utilizadores externos designadamente peritos da Comissão de Avaliação do Medicamento (CAM) e a indústria farmacêutica.
Este novo sistema permitiu uma melhoria significativa da atividade de avaliação uma vez que foram redesenhados os processos de forma a agilizar e melhorar a monitorização. A tecnologia atual permitiu eliminar 8 aplicações legacy, automatizar atividades reduzindo a dispersão da informação e o recurso a trabalho manual. Presentemente os utilizadores num único local podem realizar todas as operações necessárias, aceder a toda a informação do processo e acompanhar em tempo real o estado do processo.
O Infarmed está neste momento a planear o novo programa para o próximo triénio tendo em conta os desafios futuros da organização, designadamente, a revisão da legislação europeia em matéria de regulação de medicamentos e dispositivos médicos e de avaliação de tecnologias da saúde. Trata-se pois de um programa extenso e ambicioso que pretende dar resposta às necessidades das áreas core de prestação de serviços do Infarmed e, em simultâneo, endereçar temas transversais tais como trabalho colaborativo, segurança da informação, cibersegurança e governação de dados.
Dada a natureza do Infarmed a maior preocupação é aproximar o regulador de todos quantos se relacionam com a instituição. Neste sentido o novo programa integrará iniciativas que visam essencialmente a transformação de serviços já existentes com o objetivo de melhorar e tornar mais eficiente a experiência dos seus utilizadores, incluindo os profissionais de saúde e o cidadão. Esta transformação terá igualmente em conta as necessidades dos técnicos do Infarmed que utilizam as plataformas diariamente e que serão parte ativa em cada projeto que iremos desenvolver.
Como olha o Infarmed para a cloud? Que soluções adotou e qual é a filosofia que a empresa tem neste momento? O que está e não está na cloud?
Como uma oportunidade pelas suas inquestionáveis vantagens designadamente o elevado nível de flexibilidade e a capacidade de escalabilidade, entre outras.
No entanto, sendo o Infarmed uma entidade pública depara-se com desafios que têm que ser considerados nas decisões relacionadas com a utilização da cloud.
Um dos grandes desafios é o atual modelo de contratação pública pela complexidade e morosidade dos seus processos. Acresce que a nível de orçamento na Administração Pública estes serviços são considerados um custo pelo que não usufruem das vantagens que se verificam nos processos de investimento.
Por outro lado, na qualidade de regulador, o Infarmed tem à sua guarda informação de terceiros para além da gerada internamente, pelo que temas como a soberania digital, impactam na decisão da localização da cloud.
Pese embora os desafios o Infarmed está a preparar a sua política de cloud em alinhamento com a estratégia nacional e com a estratégia Europeia (Agência Europeia do Medicamento) sendo um dos cenários a implementação de um ambiente hibrido com serviços on premises e cloud.
Atualmente, na sua grande maioria, a infraestrutura e serviços estão on-premises, existindo alg uns serviços em cloud, de que são exemplo, webex, power BI, entre outros.
Muito se tem falado em novas formas de trabalho pós-COVID. Como se posiciona o Infarmed nos novos formatos, e que ferramentas entendeu fundamentais para apetrechar os seus funcionários em regime hibrido?
O Infarmed no início de 2019 lançou um projeto piloto para testar o regime de teletrabalho, em modelo hibrido. Tal foi possível porque estavam asseguradas as condições necessárias: (1) a maioria dos processos de trabalho estavam desmaterializados e decorriam sobre sistemas de informação; (2) a existência de equipamentos portáteis para 50% da organização; (3) a utilização de VPN por um número considerável de colaboradores e (4) a existência de uma plataforma de trabalho colaborativo que agregava videoconferência, chat e softphone.
Os dados apurados à data indiciavam bons resultados pelo que durante o ano de 2019 o número de colaboradores neste regime foi gradualmente aumentando.
Com o confinamento em março de 2020, quando surge a necessidade de toda a organização passar para o regime de teletrabalho, o Infarmed já tinha asseguradas as tecnologias necessárias para o efeito. O maior desafio foi assegurar, num curto espaço de tempo, a formação dos colaboradores nas novas tecnologias, a reorganização do modelo de trabalho, a gestão e interação com as equipas e a monitorização da atividade realizada. Durante esse período o Infarmed desenvolveu um conjunto alargado de iniciativas que minimizaram alguns dos problemas associados a este novo modelo de trabalho de que se destaca o isolamento e o desapego à organização.
Em 2022 publicámos o Regulamento de teletrabalho, e um Guia para a implementação do teletrabalho que contem regras e boas práticas com o objetivo de apoiar a gestão das equipas no contexto de coexistência de diferentes formas de prestação de trabalho. Atualmente a grande maioria dos colaboradores do Infarmed encontra-se num regime hibrido. Apesar da operação decorrer normalmente o Infarmed continua a investir em iniciativas que permitam melhorar continuamente a motivação dos seus colaboradores e a eficiência da instituição.
Como enfrentam as necessidades relativas às plataformas de Workplace o que mudou na vossa organização nos que se refere à ligação com as farmacêuticas e com as farmácias no que se refere às tecnologias de gestão de CRM, logística, e fiscalização?
O Infarmed iniciou o seu processo de desmaterialização há 25 anos e o seu sistema de informação foi sendo construído com o foco na resolução das necessidades que foram surgindo designadamente nova legislação e novas competências- Este desiderato conduziu a um cenário de SI dispersos (mais de 40 aplicações para o exterior e cerca de 40 aplicações internas) que obriga utilizadores internos e externos a aceder a sistemas diferentes em função da atividade que pretendem levar a cabo.
A abordagem adotada nos últimos anos visa a centralização da atividade e o desenvolvimento de interfaces com vista a orientar e simplificar a jornada do utilizador externo ao longo da sua interação com o Infarmed e tornar mais eficiente a atividade do utilizador interno. Pretende-se a médio/longo prazo que qualquer entidade consiga, num único local, de forma mais eficiente e “intuitiva”, aceder aos serviços que necessita, agilizando os processos e reduzindo custos de contexto.
O Infarmed no âmbito das atividades associadas à inspeção e licenciamento de entidades assegura que a interação com as entidades e parceiros do sector é realizada através de sistemas e tecnologias de informação. Trabalhamos diariamente para disponibilizar novas funcionalidades ou melhorar as já existentes.
Qual a grande marca de inovação que o Infarmed tem para contribuir para o mercado como exemplo de boas práticas?
O Infarmed insere-se numa área de atividade que está em permanente evolução e transformação e consequentemente muito exigente em termos de inovação. Temos tido a capacidade enquanto organização de dar resposta aos desafios que vão surgindo, sendo um exemplo recente a capacidade de adaptação rápida dos processos e pessoas face às exigências impostas pela pandemia.
Ao longo dos seus 30 anos o Infarmed procurou sempre ser pioneiro relativamente aos serviços prestados às entidades do setor, existindo diversos projetos que poderiam ser apelidados de “marca de inovação”. Salienta-se a criação de um sistema de codificação de dispositivos médicos que permite a recolha de informação para apoio à decisão e uma melhor monitorização do mercado destes produtos. Portugal foi o primeiro estado membro a desenvolver esta abordagem com ganhos evidentes relativamente ao conhecimento necessário à sua utilização com salvaguarda da qualidade, segurança e sustentabilidade.
Como estão a olhar para a Governança de Dados e o que estão a fazer relativamente à gestão dos mesmos?
O aumento exponencial no uso de dados em saúde requer uma governança forte para potenciar a geração e utilização da informação, fundamental às decisões de uma autoridade reguladora com as competências do Infarmed.
Esta necessidade é sentida quer a nível nacional, onde existe já um conjunto de projetos em desenvolvimento, bem como e nível internacional.
Destaca-se um projeto europeu em que o Infarmed está fortemente empenhado. Trata-se da Iniciativa Internacional de Horizon Scanning, com o objetivo de unir esforços para a recolha e compilação de dados sobre tecnologias de saúde emergentes. Esta colaboração entre países suportará o desenvolvimento do planeamento estratégico de medicamentos e outras tecnologias de saúde em matéria de preços e financiamento, utilização adequada das tecnologias e gestão dos sistemas de saúde.
Para dar resposta a estes e outros desafios o Infarmed tem em curso uma iniciativa que visa a reestruturação do seu modelo de governação de dados com especial atenção às questões relacionada com a qualidade dos dados, uma vez que a informação disponibilizada pelo Infarmed sustenta todo o circuito de medicamentos e produtos de saúde. O exemplo mais visível desta vertente é a prescrição eletrónica de medicamentos.
Como têm enfrentado as questões de falta de talento em para implementar projetos TI? Tem conseguido fixar quadros importantes no desenvolvimento de novos projetos?
Sendo o Infarmed uma instituição da AP sente de forma ainda mais exacerbada a dificuldade de contratação e fixação de pessoas, não sendo competitivo no mercado nacional e muito menos no internacional.
Em matéria de projetos SI/TI o Infarmed recorre à contratação de serviços para suprimir as suas necessidades, privilegiando, sempre que possível, contratos de longa duração para garantir continuidade nas equipas e socorrendo-se de cláusulas contratuais que minimizam o impacto de entrada e saída de consultores. Ainda assim e face à elevada rotatividade dos consultores de SI/TI, foi reformulado, no âmbito dos projetos, o processo de gestão de conhecimento para facilitar a passagem de conhecimento entre diferentes empresas e consultores e para reter o máximo deste conhecimento no Infarmed.
A forma de mitigar este problema em toda a AP passará, na minha opinião, por reformular o recrutamento e repensar a tabela de remunerações de forma a ser mais competitivo no mercado atual. Só assim se poderá assegurar que as instituições da AP dispõem de RH internos que assegurem funções críticas da área de SI/TI, desde logo, arquitetura, segurança da informação e governação de dados.
Qual o fator, e tecnologia que mais tem contribuído para a digitalização da vossa ação?
A digitalização não é um processo simples, deve ser implementado faseadamente, ser tratado com prioridade e como um processo de melhoria e evolução que depende da mudança de cultura das organizações e das pessoas. Trata-se de um processo que exige uma estratégia articulada, um trabalho colaborativo e uma comunicação adequada e simples que demonstre claramente os benefícios desta mudança.
O mais importante não é o tipo de tecnologia utilizada nos processos de digitalização, mas sim a capacidade da organização em definir o que pretende. Efetivamente se uma organização definir corretamente os objetivos a atingir a seleção da tecnologia não se reveste de grande dificuldade.
Assim o fator de sucesso para a digitalização dos processos no Infarmed está essencialmente dependente da definição da estratégia de SI/TI em função da estratégia estabelecida para a organização.
Outro fator não menos importante é o conhecimento profundo dos processos e atividades pelos utilizadores internos da instituição que são imprescindíveis para a fase de reengenharia de processo, definição de requisitos funcionais e implementação de novos serviços. A grande proximidade do Infarmed junto das entidades do sector é também, por via das suas sugestões, essencial para que os sistemas de informação respondam efetivamente às necessidades e desafios da área de atividade do Infarmed.
Em Portugal, estima-se que este mercado seja superior a 7,3 mil milhões de euros, representando aproximadamente cerca de 3,5 % do PIB nacional. O setor envolve a regulação de mais de 400 000 produtos, notificados ou aprovados. Nas atividades económicas desenvolvidas ao longo do circuito destes produtos intervêm mais de 14 000 entidades, desde entidades de venda e distribuição, indústria e instituições de saúde.