Web Summit inaugurada com alertas

Na inauguração do certame os intervenientes assinalaram vários riscos da evolução tecnológica, associados à inteligência artificial, mas também à necessidade de incrementar a velocidade e capacidade de readaptação do ser humano.

Se no ano passado a inteligência artificial marcara já a primeira Web Summit, a inauguração da corrente edição nesta segunda-feira decorreu recheada de avisos sobre aquela área e outras. No fundo acabou por ser um alerta geral para o efeito disruptivo das TIC para a actividade humana.

Mais, para a necessidade de o ser humano, outra vez na sua História, conseguir aumentar a sua capacidade de readaptação à realidade em mutação. Com o Altice Arena cheio, o CEO da Web Summit, Paddy Cosgrave, deixou o mote a Nuno Sebastião, CEO da Feedzai, ao declarar que as TIC estão “a voltar tudo ao contrário”.

Nuno Sebastião, CEO da Feedzai

Nuno Sebastião, CEO da Feedzai

O tema do segundo encaixou bem nesta ideia, conhecido o potencial da inteligência artificial e o uso da mesma na tecnologia proposta pela Fedzai para o controlo da fraude bancária. De Sebastião viria um alerta e apelo para um maior enfoque do sector das TIC no sentido de assegurar que a IA seja “bem” usada, porque “é muito poderosa”.

O português concordou com a proposta de se estabelecer um código de ética para a engenharia em IA, mas reconhece a enorme dificuldade de garantir o uso humanista daquele conjunto de tecnologias. Sobretudo porque que ele tem de ser atingido não só com os tecnólogos, mas também com os investidores e consumidores.

Nuno Sebastião (Feedzai) considerou vital investir em investigação para assegurar a evolução da IA, em segurança para a Humanidade.

Será preciso intervir, reforçou, mas também investir em investigação para assegurar a evolução da IA em segurança para a Humanidade. “É vital”, avisou antes de recorrer ao físico teórico Stephen Hawking para sustentar os seus receios.

A participar na inauguração, com declarações gravadas, um dos pioneiros da investigação em IA , Hawking, questionou-se sobre a importância que esta poderá ter para a Humanidade. “Simplesmente não sabemos”, concluiu. Pode ser “o melhor ou o pior que acontece à Humanidade”.

Para o físico, e ícone da cultura geek, a inteligência artificial poderá marcar profundamente a civilização actual, servir para acabar com a fome no mundo ou  neutralizar os efeitos nefastos da industrialização. Mas, poderá  também cria disrupção económica contrária à nossa vontade ou promover a opressão de muitos por poucas pessoas.

Por isso, defende a criação de mecanismos de controlo da IA e boas práticas em investigação, como  prioridade, para evitar os potenciais riscos. “Sou um optimista e acredito que podemos fazer a IA em benefício do mundo”, ressalvou apesar dos seus receios.

Prioridade à evolução da mente humana

Brian Johnson, fundador da Braintree e da Kerna

Brian Johnson, fundador da Braintree e da Kernal

O momento mais disruptivo das intervenções inaugurais teve a autoria de Brian Johnson, fundador da Braintree e da Kernel, empresa em que investiu já 100 milhões de dólares depois de vender a primeira por 800 milhões. Johnson está convicto de que o futuro será particularmente complexo devido ao incremento do ritmo de mudança num contexto já em si complexo.

“Só podemos trabalhar a nossa capacidade de adaptação”, defende, por nisso, face às ameaças que se antevêem.

Os “monstros” de Johnson incluem a doença mental e a depressão crónica, até por razões pessoais. Paralelamente receia também os impactos imprevistos ou subliminares do uso de TIC, cujo exemplo são os efeitos das redes sociais.

E considera necessário desenvolver-se uma maior preocupação com o “comportamento” das pessoas, por ser cada vez mais fácil a poucos seres humanos, controlarem a vida de muitos. Temos de “estabelecer como prioridade a evolução da mente humana”, que face ao desenvolvimento da tecnologia está perigosamente estagnada, demonstrou.

Com a Kernel, o empreendedor quer desenvolver ferramentas para isso, tendo por base a ideia conhecer e reescrever as estruturas cerebrais de conhecimento. A sua visão envolve o entendimento de pensamentos sem haver expressão declarada e até “destruir a noção de inimigo” na mente humana.

Ter velocidade suficiente é desafio na concorrência

Margrethe Vestager, Comissária Europeia para a Concorrência.

Margrethe Vestager, Comissária Europeia para a Concorrência.

A comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, responde de forma curta às acusações de que a sua política é proteccionista e uma barreira à inovação. “Quando as empresas crescem não podem negar que outras as desafiem em concorrência. Esta é um dos principais factores de concorrência”, disse questionada na inauguração da Web Summit.

Admite, no entanto, que um dos maiores desafios da União Europeia, para manter graus saudáveis de concorrência sobretudo nos mercados digitais, é manter o seu aparelho de supervisão suficientemente rápido. Por isso passa por criar as ferramentas certas, capazes de combater o medo e a ganância, mistura “venenosa”, nos mercados. Considerou por isso importante fazer reinventar a política fiscal para as empresas, a qual requer também um quadro de regulação como ferramenta.

Numa antevisão de potenciais riscos da evolução tecnológica diz que os algoritmos têm de “frequentar as escolas de direito”, no sentido de respeitar a legislação. Vestager defende ainda que o momento actual é crucial para se ganhar ou perder a confiança na tecnologia. Para se poder aproveitar de forma boa, o seu potencial.

“Ciência está do nosso lado”

António Guterres, secretário geral da ONU

António Guterres, secretário-geral da ONU

Com a frase “o negócio verde é o negócio bom. Pode fazer-se dinheiro e fazer o bem”, António Guterres conseguiu ver o seu discurso interrompido por palmas. Os avisos fizeram também parte do discurso do secretário-geral da ONU que alertou: “não podemos parar a inovação”, mas a “ciência está do nosso lado”, sendo no entanto necessário “criar novas formas de regulamentação”, com o aporte de múltiplas áreas do saber, para dar resposta aos desafios da 4ª revolução industrial.

António Guterres começou por destacar aspectos positivos da evolução tecnológica que têm contribuído para melhorar substancialmente a qualidade de vida. Globalmente, “o mundo caminhou claramente para o melhor”.  Mas, “também houve danos colaterais deste crescimento: as alterações climáticas e incremento da desigualdade”, sendo esta a maior ameaça “para o nosso Planeta actualmente”.

No entanto, é possível dar resposta para mitigar estes problemas. Afinal, “a globalização é uma força do bem, o desenvolvimento de novas tecnologias uma força do bem”, temos é de estar, no entanto, “atentos, para dar resposta aos eventuais efeitos colaterais que possam surgir” da evolução. Guterres exemplificou com as alterações climáticas, que estão a ser mitigadas com a ajuda ciência. “A ciência está do nosso lado”, sublinhou o secretário-geral das Nações Unidas.

“O negócio verde é o negócio bom. Pode fazer-se dinheiro e fazer o bem” António Guterres (ONU).

Para o efeito, destacou que “o negócio verde é o negócio bom. Pode fazer-se dinheiro e fazer o bem”. Associou a a 4ª revolução industrial a uma força do bem e sublinhou o impacto dramático que esta revolução vai ter nas nossas vidas, no lazer ou no trabalho, sendo fundamental antecipar os efeitos negativos que esta evolução pode ter.

Guterres apelou ao trabalho conjunto de todos: dos Governos, da sociedade civil, da Academia, dos Investigadores, porque só assim “será possível enfrentar o futuro e evitar os erros do passado”.

Recordando que a ciência e a tecnologia não são neutras do ponto de visto dos valores (A engenharia genética pode ser usada para nos vermos livres de doenças, mas também para produzir monstros, exemplificou), frisou que “não podemos [cair no erro de tentar] parar a inovação”. “Parar a inovação é uma ideia estúpida, porque é impossível pará-la, e [tal] não permitiria tirar partido dos aspectos positivos da inovação”.

Fernando Medina, presidente da CML, e António Costa, primeiro-ministro

Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e António Costa, primeiro-ministro de Portugal, assinalaram o início oficial da cimeira.

Não podemos ainda “ter uma abordagem naïve que as formas de regulação tradicionais podem resolver o problema”. A verdade é que os mecanismos de regulação do futuro têm de unir Governos, empresas, cientistas, a sociedade civil, a Academia e estabelecer plataformas para criar enquadramento reguladores que sejam flexíveis que combinem a inovação e a velocidade da inovação com a protecção dos direitos humanos. Todos os actores e as suas experiências têm de contribuir. Por isso a Web Summit é tão importante” para “discutir os problemas que vamos enfrentar”.

A Web Summit serve sobretudo para estabelecer contactos e interagir, fazer “networking”, recordou Cosgrave. O certame arranca com a expectativa de reunir perto de 60 mil participantes, cerca de 1500 investidores acreditados e mais de 1200 oradores. O investimento público é de 1,3 milhões euros, confirmou a secretária de Estado da Indústria, Ana Teresa Lehmann, em entrevista à Exame Informática. O retorno previsto é de 300 milhões.

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