Os governos podem pedir às operadoras de telecomunicações para reterem os dados dos clientes mas apenas para combater a criminalidade grave, aconselhou o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Os grupos European Digital Rights (EDRi) e Privacy International elogiaram a recomendação, dizendo que acrescenta um parecer jurídico a um corpo crescente de oposição sobre a retenção de dados em massa. Pode mesmo, disse a Privacy International, inviabilizar o Investigatory Powers Bill do Reino Unido, introduzido em Março passado por Theresa May, então responsável do ministério do Interior e agora primeira-ministro.
O responsável Henrik Saugmandsgaard Øe aconselhou que uma obrigação geral para conservar os dados pode ser compatível com a legislação da UE mas advertiu que as leis que impõem tais obrigações devem respeitar a privacidade pessoal e impor controlos rígidos sobre o acesso aos dados conservados, a sua segurança, e o período pelo qual é mantido. Além disso, tais obrigações só podem ser justificadas quando forem estritamente necessárias na luta contra a criminalidade grave.
Saugmandsgaard revelou a sua opinião esta terça-feira em dois casos no TJUE sobre leis de retenção de dados na Suécia e no Reino Unido. Elas são apenas de orientação mas muitas vezes seguidas pelos tribunais, que agora vão iniciar os debates sobre os casos.
O TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre questões legais referidas pelos tribunais nacionais na Suécia e no Reino Unido em relação à retenção de metadados das telecomunicações: informações sobre quem contactou quem, quando, como e por quanto tempo. Essa informação pode ser útil na investigação de crimes, mas a sua retenção em massa sem uma boa razão é considerada por alguns como uma violação dos direitos de privacidade.
Questionada mas não seguida
Essa foi a posição do TJUE quando, em 2014, questionou a Directiva de Retenção de Dados de 2006 num caso envolvendo a Digital Rights Ireland.
No entanto, desde então, os Estados membros da UE continuaram a introduzir ou a reforçar a legislação para a retenção de dados pessoais, em conflito com a decisão do TJUE, de acordo com a EDRi.
“Está na altura de os Estados-Membros da UE começarem a respeitar a lei. É tempo de a Comissão Europeia fazer o seu trabalho para garantir que a lei seja respeitada”, disse o diretor-executivo da EDRi, Joe McNamee. “A retenção de dados é uma medida extrema, que só pode ser implementada se os critérios repetidamente estabelecidas pelo tribunal são respeitados”.
A responsável da Privacy International, Caroline Wilson Palow, espera que o TJUE siga a opinião de Saugmandsgaard, que ela vê como um duro golpe para o Investigatory Powers Bill do Reino Unido.
Os poderes de vigilância em massa do projecto de lei vão muito além do combate à criminalidade grave que o advogado-geral Saugmandsgaard considera aceitável.
“Eles dariam a uma gama de organismos públicos, não apenas a agências policiais e de inteligência, o poder de aceder aos dados pessoais de pessoas inocentes, muitas vezes sem qualquer mandado” judicial, disse.
O destino do Investigatory Powers Bill depende de uma série de factores internos ao país, mas além disso e mesmo se o TJUE declarar aqueles poderes de vigilância ilegais à luz da lei da UE, resta a questão de saber se o Reino Unido ficará abrangido por essa decisão, após o Brexit.